sábado, 11 de dezembro de 2010

Jovens ainda têm dificuldades para dialogar sobre sexo

Sem conversa e com muita insegurança, os adolescentes acabam correndo riscos de contrair doenças e de uma gravidez indesejada logo no início da vida sexual.

A chefe da casa é Edna de Jesus e ela é mãe de três rapazes. A convivência tem uma regra básica: “Não mentir. É proibido mentir aqui”, diz ela.
A proposta é de jogo aberto sobre tudo, tudo mesmo. A verdade é que sexo costuma ser transformado em um tabu, mas não tem motivo para isso.
“Teríamos menos problema se a gente não tivesse tanta barreira, tanto bloqueio. Os pais deveriam ser chamados à responsabilidade. Filho meu é fruto meu, eu tenho que educá-lo na forma de andar, de sentar e de vestir e na forma sexual também”, diz ela.
São palavras de quem já pensou muito sobre o assunto e com experiência própria. “Foi um momento de despreparo, eu estava envolvida no momento, euforia. Eu só tive três meses de relação sexual e engravidei”, lembra ela.
Aos 18 anos, solteira, as mudanças foram radicais. “Não era mais aquela pessoa inconsequente, irresponsável, que ia para balada, barzinho. Comecei a pensar nele como projeto principal na minha vida: ‘eu tenho uma pessoa que depende de mim. O que vai ser dessa pessoa se eu não cuidar dela?’”, conta.
A pessoa é Felipe. Na hora de sair com ele da maternidade, há 24 anos, Edna recebeu um recado definitivo de um médico que ela nunca mais viu, mas não esquece.
“Quando ele foi me dar alta, ele simplesmente pegou na minha mão, olhou para mim e disse: ‘eu te aguardo aqui no ano que vem’. Aquilo me chamou a atenção, e eu perguntei: ‘ano que vem?’. Ele falou que sim. Mas eu disse que ele não ia me ver tão cedo. Ele disse: ‘é o que todas falam, mas nem todas cumprem’. E eu falei: ‘mas eu não vou fazer parte da sua estatística das que voltam’. E não voltei”.
Gabriel e Mateus vieram bem depois. “Era outra situação, eu estava casada, conheci uma pessoa e engravidei do Gabriel, sete anos depois”.
Divorciada, foi Edna quem esclareceu Felipe com a primeira namorada, digamos, mais séria. “Eu tinha algumas dúvidas, não sabia como poderia agir. Eu sempre tirei as dúvidas com ela. Com susto de engravidar, falei: ‘mãe, estou com medo de ter engravidado alguém’”, conta Felipe Jesus de Oliveira.
“Como eu trabalho no hospital, eu procurei a junta médica do hospital, um grupo que é especializado em educação sexual de adolescente, e eles me orientaram, entraram com a pílula do dia seguinte, exames pré-nupciais, encaminhamento para o ginecologista, uso de preservativo, todo apoio e cerquei de cuidados. Por sorte, não...”, diz Edna.
No terraço do Hospital das Clínicas, em São Paulo, pais e filhos tiram dúvidas com uma equipe de médicos e terapeutas.
“Em uma relação sexual, quando o homem broxa, como a gente pode reagir, quais seriam os motivos disso?”, pergunta uma jovem.
“A gente conversa bastante e tenta diminuir o sofrimento dessa pessoa”, diz outra jovem.
“Sinceramente, eu acho que tem que dar uma palavra de consolo para não piorar a situação, mas que toda mulher deve ficar frustrada isso sim”, afirma outra.
Em todo país, várias iniciativas tentam informar garotas e rapazes que estão nesta fase de começar a ter relações sexuais.
No Rio de Janeiro, um vírus gigante de HIV se exibe no pátio do colégio em um alerta sobre o risco de contágio entre os jovens.
Uma peça, que já foi vista por mais de mil estudantes de escolas públicas, aborda com bom humor a ansiedade da primeira vez.
Mas, em casa, com os pais, existem conversas sobre sexo? Entre duas turmas, uma do Rio de Janeiro e outra de São Paulo, notamos dificuldades, dúvidas.
Raiane conta que nunca conversou com os pais sobre sexo. “Como eu tenho uma filha, então, conversar sobre sexualidade com ela fica mais complicado”, reconhece a massagista Walter Cerantola Junior.
“Quase todas as dúvidas. A gente fica com medo de como vai ser a primeira vez”, diz Maria Cláudia Silva, de 12 anos.
Sem conversa e com muita insegurança, os adolescentes acabam correndo riscos de contrair doenças e de uma gravidez indesejada logo no início da vida sexual. Uma pesquisa que ouviu mais de 2,3 mil adolescentes paulistas mostrou que a maioria conhecia os métodos anticoncepcionais, mas não usou qualquer tipo de proteção na primeira relação.
Ao todo, 90% dos adolescentes disseram que sabiam como se prevenir. “É que na escola fala muito, a gente já está cansada de ouvir sobre isso”, afirma Bianca Cerantola, de 14 anos.
Mas 70% confessaram que , quando perderam a virgindade, não usaram nenhum método. “Eu já sabia, eu até tinha, só que na hora foi sem mesmo”, conta Felipe de Melo, de 19 anos.
“Na minha escola, eu tenho certeza que já tem meninas que não são virgens na minha série. Tanto que tem uma menina lá que está grávida”, diz Tânia Carolina Braga, de 13 anos.
“Sei lá, ansiedade, nervoso. Na hora, nem lembrei de nada”, revela Felipe.
“O adolescente tem que dialogar com o seu parceiro, que negociar com o seu parceiro tem uma atitude de segurança, que vai fazer com que a menina perca o medo de não agradar, o menino perca o medo de falhar e que ambos se previnam”, ressalta a ginecologista Albertina Duarte Takiuti.
Muitos casais adolescentes sentem esta dificuldade. O autor da peça sobre a primeira vez confessa os problemas que teve. “Demorei a entender, demorei a perceber a hora que deve colocar a camisinha, como é que eu vou proceder antes ou depois e o que fazer com uma menina com delicadeza. Eu acho que é muito pessoal. Você acaba criando um vínculo com a pessoa, uma intimidade com a pessoa”, diz o ator Bruno Santoro.
Justamente, não está havendo tempo para criar uma intimidade. “A primeira relação está acontecendo nos três primeiros meses de um encontro, de uma relação amorosa. Então, não é só precoce a idade, é precoce o tempo de conhecimento”, aponta a ginecologista.
Esta realidade faz parte de uma outra pesquisa do Hospital das Clínicas sobre como as adolescentes usam a chamada pílula do dia seguinte. Ao todo, 95% disseram que conheciam este recurso e 36% afirmaram que tomavam regularmente, o que os médicos condenam. Na comparação com um estudo semelhante, feito há seis anos, o número de usuárias cresceu 20%.
A pílula do dia seguinte equivale à metade de uma cartela de uma pílula convencional. “Se uma adolescente tomar quatro vezes ao mês o que já está acontecendo, é como se ela tomasse duas cartelas de pílula em quatro dias. E isso faz uma sobrecarga no eixo hormonal. Ela pode menstruar, ela pode ter uma menstruação antecipada, ela pode menstruar mais dias e não reconhecer o seu ciclo hormonal. Interfere no seu ciclo”, alerta Dra Albertina.
As consequências podem ser graves, comprometer a fertilidade, a saúde, o futuro da adolescente.
A qualidade do sexo e o afeto, nesta fase de tantas descobertas, vão estar presentes nas relações de toda a vida e o caminho é mesmo muita conversa, com os adolescentes e entre eles também.
“Pensar que os adolescentes, falando da sexualidade, vão ficar incentivados a ter relação é um mito. E é preciso hoje que os profissionais, as escolas e os profissionais de saúde discutam e aprendam técnicas de fazer com que os adolescentes discutam em grupo a sua sexualidade e a sua forma de ter uma segurança, um planejamento não só da sua sexualidade, mas da sua vida no futuro”, destaca a Dra. Albertina.



 

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